Declínio Cognitivo pós-Covid-19
Desde o início da pandemia pelo novo coronavírus, os efeitos neurológicos durante e após a infecção têm intrigado neurologistas e cientistas do mundo todo. Perda de olfato, cefaleia e declínio cognitivo são os principais temas que motivam inúmeros estudos científicos no Brasil e no mundo para tentar explicar os efeitos do vírus no sistema nervoso. Ainda não está claro se isso ocorre pela tempestade de citocinas que surge durante o processo inflamatório ou se seria um tropismo maior do vírus pelas células nervosas (os neurônios).
Uma das principais queixas de pacientes que tiveram Covid-19 (mesmo infecções leves ou assintomáticas) tem sido a dificuldade em algum domínio cognitivo (como linguagem, processamento de informações, atenção ou memória), com graus variados de impacto funcional na vida dos indivíduos.
Testes Cognitivos
Em outubro do ano passado, para tentar comprovar aquilo que os médicos já suspeitavam, um estudo com mais de 84 mil participantes conduzido pelo Imperial College de Londres aplicou testes cognitivos on-line em pacientes que tiveram Covid-19, desde formas leves até aqueles que foram hospitalizados. Apesar de não ter o resultado prévio dos testes naqueles indivíduos, eles foram comparados aos valores esperados para os padrões saudáveis, considerando idade, sexo, educação, renda, grupo étnico-racial e condição médica preexistente.
Os resultados foram impressionantes, e praticamente todos os infectados apresentaram um declínio cognitivo significativo, chegando a uma redução de 10 anos no desempenho global entre aqueles que foram hospitalizados. Obviamente os resultados não refletem a evolução a longo prazo, mas sem dúvida foi um resultado intrigante para a comunidade científica.
Em janeiro deste ano foi publicada uma pesquisa no Jornal Alzheimer’s Association sugerindo que a infecção pelo novo coronavírus pode aumentar o risco de problemas neurológicos de longo prazo, incluindo declínio cognitivo e demência.
Representantes de mais de 30 países e a Alzheimer’s Association formaram um consórcio internacional para estudar as consequências de curto e longo prazo do vírus no sistema nervoso, incluindo Doença de Alzheimer e outras demências. Esse grupo pretende seguir mais de 22 milhões de casos de Covid-19 por 18 meses e assim comprovar a hipótese de acometimento cerebral a longo prazo.
Estudos no Brasil
Em nosso país, os estudos mais relevantes que tentam encontrar respostas para o declínio cognitivo após a infecção são de dois grupos. O primeiro é do Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), liderado pela neuropsicóloga Lívia Stocco Sanches Valentin, e o segundo é o da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) conduzido pela professora Cclarissa Yasuda, da Faculdade de Ciências Médicas.
De acordo com o estudo do Incor, mesmo pacientes que tiveram apenas sintomas leves da doença podem apresentar comprometimento cognitivo importante após a infecção. Os números impressionam: 83,3% dos pacientes desenvolvem alguma dificuldade cognitiva para executar as tarefas de sempre; 62,7% apresentam perda da memória de curto prazo e 26,8% tem comprometimento da memória de longo prazo (passado remoto).
A pesquisa da Unicamp ainda está em andamento e pretende acompanhar pacientes por três anos. O estudo inclui testes neuropsicológicos e exames de imagem (ressonância magnética funcional). Resultados preliminares comprovaram declínio cognitivo entre os que tiveram Covid-19, além de alteração na especificidade das redes cerebrais observadas na neuroimagem, como se o cérebro perdesse sua capacidade de organização.
Apesar dos dados alarmantes nos estudos já publicados, podemos ter a esperança de que através do fenômeno da neuroplasticidade, novas conexões neurais se formem e recuperem as lesões neuronais sofridas pela Covid-19.
Por se tratar de um vírus novo e uma condição neurológica que ainda não está elucidada, mais estudos são necessários para comprovar a lesão cerebral sofrida pelo SARS-CoV-2 e a evolução do comprometimento cognitivo a longo prazo.
Dra. Ana Paula Peña Dias
Neurologista